Era o Otávio a quem chamavam de
otário, me pedia emprestado o Morte e Vida Severina que eu ganhei no
aniversário do meu primo Santiago — que tocava contrabaixo e arranhava violão.
Emprestei o livro a ele tantas vezes que fizemos amizade.
— Grande Otávio...
— Pode me chamar de otário.
— Mas não é pejorativo?
— Não se você disser abertamente.
Estranho. Mas convenci-me com o passar do tempo de que Otávio não era
otário coisa nenhuma; só era pobre de autoestima.
— É para o meu filho. — surpreendeu-me certa vez.
— Do que está falando?
— O livro, é para o meu filho; ele adora quando leio.
Admirei aquele sujeito como poucas vezes admirei alguém na vida.
— Você lê para o seu filho?
— Queria que meu pai tivesse lido pra mim quando criança; mas ele
foi um cara bem difícil. — disse com certa melancolia na voz.
— Qual a idade?
— Do
meu pai?
— Do seu filho.
— Oito anos.
Não se passava uma semana sem que Otávio aparecesse do meu lado.
— Me empresta aquele do Cabral. — ele dizia.
E quando ficou dois meses sem dar as caras, eu fui procura-lo.
— Não vai querer o livro? — perguntei.
— Não, obrigado! Aquele menino tem que aprender a ser homem, ou vai
ficar a vida toda grudado na barra da saia da mãe.
— Ah é? — questionei sem disfarçar o desdém.
— Foi assim que meu pai me ensinou. — concluiu chateado.
Foi quando me dei conta. Seu pai era um idiota, Otávio não tinha culpa, ele era só um reflexo. Se tinha culpa, não tinha culpa de ter culpa.
Meu pai também era difícil, porquanto o pai dele era, e o pai de seu pai mais ainda. Tratei de devolver o livro à estante, onde ficará por algum
tempo, pensando: qual o problema com os pais? Alguém precisa ensina-los que
crianças não são telas destinadas à pintura de autorretratos.
Leio para não perder o juízo. Desdenho meus limites e os dos outros, mas no fundo, entendo o otário.
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