quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Filhote

          Eu costumava ter medo de altura. Certo dia escorreguei no chão molhado pela urina do filhote e despenquei do terraço. Assim, perdi o medo, quebrei a perna esquerda e fraturei a clavícula — que só então eu soube onde fica.
     Quando deixei a bengala, o filhote já nem era mais filhote. Ocupava sozinho todo o assento da poltrona. Tinha um latido grosso parecido com resmungo de velho ranzinza e o péssimo hábito de montar nas visitas.
     Já faz um tempo que o velho filhote se foi. Os meninos, ao redor da poltrona, não queriam saber de consolo. Adotamos um gato a que chamamos de Chico por causa do Cezar da música triste que Rosa cantava pra eles dormirem. Não deu muito certo.
     É verdade que Chico sabia descer do terraço melhor do que eu, mas nunca aprendeu a diferença entre o sofá da sala e a caixa de areia. Dormia na caixa e fazia cocô no sofá.
     Dei-o de presente de natal ao vizinho da direita, com quem antipatizo graças a seu péssimo gosto musical. Foi quando assumi a poltrona e, consequentemente, as responsabilidades do filhote.
     Agora sou eu quem brinca com as crianças e resmunga como um velho ranzinza. Só não faço xixi no terraço — não quero que ninguém frature a clavícula — nem monto nas visitas, porque isso não se faz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário